ConJur - O acesso aos celulares dos presos pelos policiais

2021-11-04 09:42:41 By : Ms. Aimee Chen

Por Gina Ribeiro Gonçalves Muniz

O processo penal visa ao alcance de uma miríade de valores, destacando-se, entre eles, por ocasião do presente artigo, a descoberta da verdade ea proteção aos direitos fundamentais do indivíduo.

A busca pela verdade pressupõe ferramentas úteis de investigação. Muitas vezes, as autoridades responsáveis ​​pela persecução penal entendem que o acesso ao celular da pessoa presa pode ser de grande valia para obtenção de provas. Por outro lado, o vasculhamento do celular do autuado, sem seu consentimento consentimento, viola seu direito à intimidade e à vida privada.

A colisão entre os recursos investigativos do Estado e o direito à intimidade dos presos ganhou impulso com o avanço tecnológico dos aparelhos celulares, que atualmente tem multifuncionalidade e são capacitados, para além das funções ordinárias de comunicação móvel, de guardar fotos, documentos, vídeos, mensagens , e-mails, registros telefônicos, dados e transações bancárias, dentre tantas outras possibilidades.

Existem vozes a defender - justamente pela multifuncionalidade dos aparelhos atuais - que os dados neles contidos não encontrados guarida no sigilo telefônico e telemático assegurado constitucionalmente (artigo 5º, inciso XII da CF), haja vista que tal sigilo contempla apenas a comunicação de dados ( interceptação telefônica ou telemática propriamente dita) e não os dados próprios.

Impede, todavia, ponderar que - também na razão das bases facetas que os celulares modernos apresentam: armazenamento de dados da vida privada, íntima, familiar e financeira da pessoa - o seu vasculhamento implica violação do direito à intimidade (artigo 5º, inciso X, da CF) e até mesmo aos direitos da personalidade do preso. Ademais, o artigo 3º da Lei nº 9.472 / 97, que dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunicações, local ao usuário desse serviço "à inviolabilidade ao segredo de sua comunicação, salvo nas hipóteses e condições constitucionais e legalmente previstas", eoe artigo7º, inciso III, da Lei nº 12.965 / 14 (conhecido como Marco Civil da Internet), que regulamenta o uso da internet no Brasil, impedindo seus usuários o direito "a inviolabilidade e sigilo de suas comunicações privadas armazenadas, salvo por ordem judicial"

Por óbvio que o processo penal tem de se adequar às novas realidades tecnológicas para garantir a eficiência e celeridade processual no contexto de uma sociedade de informação. Todavia, a necessidade de uma investigação pertinente não pode servir de gazua para a violação da intimidade dos presos, quiçá até mesmo de terceiros alheios à persecução penal, que eventualmente obter trocados fotos ou mensagens íntimas / privadas com o autuado.

Destarte, resta um conflito de interesses entre a necessidade de se apurar a verdade e, concomitantemente, de se resguardar o direito à intimidade do preso. Pensamos, já que inexiste direito absoluto, que devemos buscar uma solução prática, parametrizada pelo princípio da proporcionalidade, capaz de harmonizar as antinomias da melhor maneira possível.

Não se trata de torna inócuo o artigo 6º, incisos II e III, do CPP, que autoriza a autoridade policial a objetos apreendidos, aparelhos celulares incluídos, caso entenda que eles podem extrair elementos de informação sobre o suposto delito apurado. Todavia, as normas têm de ser lidas em uma visão sistêmica, buscando a harmonização de todo o ordenamento jurídico. Dessa feita, autoridade policial, respeitada a cadeia de custódia da prova, pode apreender o celular, mas lhe é vedado vasculhá-lo sem a devida autorização judicial, em respeito ao direito constitucional de intimidade do preso.

O legislador já traçou as diretrizes gerais e a introdução de uma investigação de se ter uma investigação efetiva, bem como de se preservar o direito à intimidade das pessoas. Mas, diante do caso concreto, quando há conflito entre os interesses legalmente resguardados, cabe ao juiz concretizar as normas de forma equânime. E, nesse momento, ingressamos no cerne da questão: como a jurisprudência brasileira, em especial os tribunais superiores, tem decidido entre a dever da polícia de investigar crimes e o direito à intimidade do preso, nos casos de apreensão do seu aparelho celular?

Preliminarmente, importa ressaltar algumas questões preliminares que não despertam grandes controvérsias na temática ou discutida: 1) telefone celular apreendido em decorrência de ordem judicial de busca e apreensão prescinde de nova autorização judicial para acesso aos nele dados armazenados; 2) o preso não pode ser obrigado a desbloquear o celular ou fornecer uma senha de acesso (RHC 101.119 / SP, Rel. Minis. Rogério Schietti Cruz, 6º turma, DJE 13/12/2019). Pensar em sinto contrário implicaria violação ao princípio nemo tenetur se detegere; 3) todavia, em havendo autorização expressa do proprietário do celular, os dados aproveitados do seu vasculhamento combinado provas lícitas (Ag Rg no HC 521.228 / SP, Rel. Ministro Jorge Mussi, 5º Turma, DJe 16/12/2019). Nessa hipótese, pensamos que a validação da prova fica condicionada à informação ao acusado sobre o seu direito ao silêncio, o chamado Miranda Warnings. 4) em se tratando de celular abandonado em via pública cuja propriedade não está identificada ou seja negada pelo preso, não há que se falar em ilicitude no acesso aos dados constantes no aparelho pela polícia (Ag Rg no Resp 1573424 / SP, Rel. Ministro. Reynaldo Soares da Fonseca, 5º Turma, DJe 15/09/2020); e 5) por fim, se entende que as policias, se identificando como tal, podem atender ao celular do autuado durante a prisão (HC 446.102 / SC, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, 5º Turma, DJe 06/11/2019).

Mas o ponto fulcral da temática ocorre nas hipóteses em que o preso é declaradamente o proprietário do celular e não concorda espontaneamente em desbloqueá-lo ou fornecer uma senha de acesso. Nesse contexto, como deve agir a autoridade policial? Por estar em xeque a proteção a um direito fundamental (direito à intimidade e vida privada), é estritamente necessário se delinear com precisão os termos em uma consulta aos dados do celular será cabível, de modo a harmonizar como finalidades do processo penal dentro de uma perspectiva constitucional, convencional e humanitária.

Destarte, o atual entendimento do STJ é que a autoridade policial não pode, sem prévia autorização judicial, acessar os dados constantes do aparelho celular do preso. A autorização judicial perpassa pela análise de requisitos de cautelaridade que justifiquem a imprescindibilidade da medida em detrimento do direito à intimidade do autuado.

Colacionamos trecho do voto do ministro Joel Ilan Paciornik, relator do Resp 1.782.386, julgado pela 5º Turma do STJ em15 / 12/2020: "A jurisprudência das duas Turmas da Terceira Seção deste Tribunal Superior firmou-se no sentido de ser ilícita a prova obtida direta dos dados constantes de aparelho celular, decorrente de mensagens de textos SMS, conversas por meio de programa ou aplicativos ('WhatsApp'), mensagens sentidas ou recebidas por meio de correio eletrônico, definido diretamente pela polícia no momento do flagrante, sem prévia autorização judicial para análise dos dados armazenados no telefone móvel ". A título de exemplos, citamos algumas decisões que adotaram esse posicionamento: HC. 372.762 / MG, rel. Ministro Felix Fischer, 5º Turma, DJe 16/10/2017; RHC 79.452 / RR, rel. Ministro Joel Ilan Paciornik, 5º Turma, DJe 01/09/2017; HC 588.135 / SP, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, 5º Turma, DJe 14/09/2020; RHC 120.726 / SP, rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, 5º Turma, DJe 28/02/2020; AgRg no RHC 120.172 / SP, Rel. Minis. Nefi Cordeiro, 6º turma, DJE 06/08/2020 e AgRg no HC 516.857 / SP, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, 5º turma, DJe 18/5/2020.

Todavia, a questão tem outros desdobramentos peculiares que também são dignos de nota. Em se tratando de dados constantes exclusivamente da agenda de contatos ou registros telefônicos, o entendimento do STJ é no sentido de serem lícitas como provas daí extraídas, ainda que executadas pela autoridade policial sem autorização prévia judicial (Resp 1.782.386, Rel. Ministro Joel Ilan Paciornik, julgado pela 5º Turma do STJ em15 / 12/2020; Ag Rg no Resp 1.853.702 / RS, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, 5º Turma, DJe 30/06/2020; AgRg no REsp nº 1.760. 815. / PR, Rel. Ministra Laurita Vaz, 6º Turma, DJe 13/11/2018 e HC nº 91.867 / PA, Ministro Gilmar Mendes, 2º Turma, DJe 20/9/2012).

E qual seria o fundamento para se exceção o entendimento com relação à agenda de contatos e registro de ligações? O principal argumento é que o uso dos dados constantes constantes da agenda telefônica não estaria acobertado pelo sigilo telefônico ou telemático, vez que a agenda é apenas uma das facilidades disponibilizadas pelos aparelhos celulares, dados nela constantes também serão anotados em uma agenda de papel, por exemplo , objeto que pode ser legalmente apreendido pela polícia no estrito cumprimento do seu dever legal. No que tange aos registros de chamadas, entende-se que também não estão abarcados pelo sigilo telefônico ou telemático, pois a proteção constitucional recai sobre a comunicação telefônica em si e não sobre os dados registrados.

E a respeito do tema tão importante, qual o posicionamento da nossa Suprema Corte? A questão será decidida no STF, nos autos do ARE 1.042.075, com força de repercussão geral (Tema 977 - "Aferição da licitude da prova durante o inquérito policial referente ao acesso, sem autorização judicial, a registros e informações contidos em aparelho de telefone celular, relacionado à conduta delitiva e hábeis para identificar o agente do crime ").

O julgamento já foi, inclusive, iniciado e há dissenso no entendimento da matéria: o ministro Dias Toffoli defendeu a correção dos seguintes termos: "É lícita a prova obtida pela autoridade policial, sem autorização judicial, mediante acesso a registro telefônico ou agenda de contatos de celular apreendido ato contínuo nenhum local do crime atribuído ao acusado, não configurando esse acesso deensa ao sigilo das comunicações, à intimidade ou privacidade do indivíduo (CF, artigo 5º, incisos X e XII) "os ministros Gilmar Mendes e Edson Fachin, entretanto, sustentam a tese de que "o acesso a registro telefônico, agenda de contatos e demais dados contidos em aparelhos apreendidos não local do crime atribuído ao acusado depende de prévia decisão judicial que justifique, com base em elementos concretos, a necessidade e a adequação da medida e delimitar a sua abrangência à luz dos direitos fundamentais à intimidade, à privacidade e ao sigilo das comunicações e dados dos pedidos (CF, artigo 5º, X e XX) ".

Sempre que se defende o respeito de um direito ou garantia fundamental, os incautos entendem que se está soerguendo a bandeira da impunidade. Impõe, pois, alguns esclarecimentos para, desde já, rebelar essa falaciosa correlação. Em primeiro lugar, não defendemos a impossibilidade de colheitas de provas mediante vasculhamento do celular do preso, mas tão somente uma ponderação entre essa necessidade investigativa e o direito à intimidade do autuado, o que deve ser feito pelo juiz competente diante das peculiaridades do caso concreto. O que não concordamos é com uma autorização prévia e geral para a devassa da vida privada dos autuados, inclusive porque são presumidamente inocentes.

Em segundo lugar, é preciso fincar que o reconhecimento da nulidade da prova obtida pela polícia, sem aprovação judicial, mediante averiguação dos dados celulares do preso em flagrante implicações tão somente o desentranhamento dessas provas, bem como das que lhe diretamente derivadas (teoria da árvore envenenada). Todavia, resta lícita a possibilidade de condenação, desde que existam no caderno processual outras provas de autoria e materialidade produzidas por fonte independente ou até mesmo se restar avançado que as provas, em que pese tenham liame com a prova ilícita, produzidas de qualquer jeito, como resultado inevitável das atividades investigativas lícitas (teoria da descoberta inevitável).

Ademais, o chamado encontro fortuito de provas é prática considerada considerada legítima. Ressalta-se, inclusive, que em decorrência da serendipidade, é aplicável a teoria do juízo aparente, segundo a qual não há nulidade na colheita de elementos de convicção autorizada pelo juiz até então competente para supervisionar a investigação (Rcl 31629 / PR, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, DJe 28/9/2017; AgRg no AREsp 1.652.779 / SP, Rel. Ministro Joel Ilan Paciornik, 5º Turma, DJe 28/09/2020; RHC 67.468 / SP, Rel. Ministro Feliz Fischer , 5º Turma, DJe 26/03/2018, AgRg nos EDcl nos EDcl no REsp 1.606.801 / SP, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, 5º Turma, DJe 15/08/2018).

Reconhecemos que o tema é bastante complexo por envolver o embate entre uma investigação eficiente, essencial para a descoberta da verdade, e a efetivação de um direito fundamental, núcleo fundante de um Estado democrático de Direito.

Pensamos ser acertado o posicionamento do STJ de submeter a questão à reserva de jurisdição, pois a ponderação judicial perante o caso concreto será essencial para equacionar o conflito de interesses existentes e não permitir, genericamente, que uma investigação policial atrope direitos e garantias fundamentais. Espera-se que o STF, guardião da Carta Magna, adote também esse entendimento, com força vinculante para todo o Judiciário brasileiro, vez que foi reconhecida repercussão geral à matéria.

Gina Ribeiro Gonçalves Muniz é defensora pública do Estado de Pernambuco e mestre em Ciências Jurídico-Criminais pela Universidade de Coimbra.

Revista Consultor Jurídico, 2 de fevereiro de 2021, 8h03

Servidor estadual (Delegado de Polícia Estadual) 2 de fevereiro de 2021, 13h43

A matéria fala do policial ao atender o aparelho do investigado deve informar ao interlocutor de sua qualidade de agente público, ora isso contrasta com a figura do agente disfarçado, sejamos justos, tal conduta, nada guarda com a intimidade alocada no aparelho telefônico. Se o individuo é preso, seu telefone toca com pessoa perguntando onde deve entregar drogas / armas / pessoa / bens furtados, informar: "me desculpe senhor, seu comparsa foi preso, aqui é Delegado / Investigador, beira a sandice. Penso que totalmente desproporcional . Falta só avisar "sabemos que está do outro lado da linha, com base no princípio de privacidade, informo que estamos nos deslocando para prendê-lo, por favor fuja ou destrua como provas.

Servidor estadual (Delegado de Polícia Estadual) 2 de fevereiro de 2021, 13h34

Excelente texto, contudo, se faz necessário debater sobre dois pontos: primeiro, em caso de flagrante a polícia tem permissão para entrar na residência do individuo, mas não pode olhar seu aparelho celular, é desproporcional; segundo, ainda em caso de prisão em flagrante, o prejuízo que vem experimentando é de que a vedação do acesso ao aparelho impede da polícia colocar o aparelho no modo avião e todas as provas que estavam ali são destruídas enquanto se aguarda a autorização judicial, que convenhamos, demora. Nos casos de prisão em flagrante, nos casos em que a polícia tenha permissão para proceder a busca e apreensão, a sociedade precisa pensar num equilíbrio e determinar a marcha criminosa. O que não se pode de alguma forma aceitar é que a polícia aborde a pessoa na rua, vasculhe seu celular. Aliás, discutível a permissão dada pelo indivíduo na rua, já que, muitas vezes sozinho, desassistido, acaba autorizando não porque concorda, mas porque tem medo, e aí sim se tem uma violação da Constituição. Mais grave ainda é se o flagrante decorre de tal bisbilhotice, ou seja, a polícia nada investigou e descobrir o crime em razão de manusear de forma ilegal o aparelho.

O ESCUDEIRO JURÍDICO (Cartorário) 2 de fevereiro de 2021, 12h04

O aparelho celular é extensão da personalidade do indivíduo por possuir informações específicas; porém, não supera o interesse da Justiça na busca da Verdade Real (aqui, censuras do professor Lenio Streck). O crime perpetrado pelo rebelde primitivo não pode se situar em patamar superior ao interesse da coletividade na apuração do crime e sua punição.

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